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quinta-feira, 25 de agosto de 2016

As Intermitências da Morte (José Saramago)



























"Sobre a mesa há uma lista de duzentos e noventa e oito nomes, algo menos que a média do costume, cento e cinquenta e dois homens e cento e quarenta e seis mulheres, um número igual de sobrescritos e de folhas de papel de cor violeta destinados à próxima operação postal, ou falecimento-pelo-correio. A morte acrescentou à lista o nome da pessoa a quem se dirigia a carta que tinha regressado à procedência, sublinhou as palavras e pousou a caneta no porta-penas. Se tivesse nervos, poderíamos dizer que se encontra ligeiramente excitada, e não sem motivo. Havia vivido demasiado para considerar a devolução da carta como um episódio sem importância. Compreende-se facilmente, um pouco de imaginação bastará, que o posto de trabalho da morte seja porventura o mais monótono de todos quantos foram criados desde que, por exclusiva culpa de deus, caim matou a abel. Depois de tão deplorável acontecimento, que logo no princípio do mundo veio mostrar como é difícil viver em família, e até aos nossos dias, a cousa tinha vindo por aí fora, séculos, séculos e mais séculos, repetitiva, sem pausa, sem interrupções, sem soluções de continuidade, diferente nas múltiplas formas de passar da vida à não-vida, mas no fundo sempre igual a si mesma porque sempre igual foi também o resultado. Na verdade, nunca se viu que não morresse quem tivesse de morrer. E agora, insolitamente, um aviso assinado pela morte, de seu próprio punho e letra, um aviso em que se anunciava o irrevogável e improrrogável fim de uma pessoa, tinha sido devolvido à origem, a esta sala fria onde a autora e signatária da carta, sentada, envolta na melancólica mortalha que é seu uniforme histórico, com o capuz pela cabeça, medita no sucedido enquanto os ossos dos seus dedos, ou os seus dedos de ossos, tamborilam sobre o tampo da mesa."





































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