Livraria Cultura
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quinta-feira, 21 de julho de 2016
A Besta Humana (Émile Zola)
"Àquela
hora, a estação estava deserta e calma; e ele agitava-se nela, com o aspecto cada vez mais enervado daquela paz, naquele tormento de homem ameaçado de uma catástrofe,
que acaba por desejar ardentemente que ela venha."
"Da cama em que continuava sentada, Séverine o acompanhava de um lado para outro, com os mesmos olhos arregalados. Na calma e companheira afeição que sempre tivera pelo marido, a desmedida dor em que o via era de dar pena. Teria desculpado os palavrões e as pancadas, caso tão desatinada reação não a surpreendesse tanto, pois era o que ainda a espantava. Ela que, passiva e dócil, bem moça aquiescera aos desejos de um velho, que mais tarde se adaptara ao casamento simplesmente por querer conciliar as coisas, não conseguia compreender tal explosão de ciúme por erros antigos, dos quais se arrependia. Sem imoralidade, pois sentia-se pura, apesar de tudo, em seu corpo ainda mal desperto, ela observava o marido ir e vir em giros furiosos, como teria observado um lobo, um ser de outra espécie. O que então havia nele? Muitos não tinham tanta raiva! O que a assustava era constatar o animal, que há três anos já pressentia pelos grunhidos surdos e que hoje se desencadeava, furioso, pronto para morder. (...) Na sua docilidade passiva, não podia senão obedecer. Instrumento de amor, instrumento de morte."
"Desde que a possuíra, a ideia de matar não o perturbava mais. Estaria contida pela posse física a vontade assassina? Será que, nas sombrias profundezas da besta humana, possuir e matar se equivalem? Ignorante demais, ele não
raciocinava, não tentava abrir essa porta do horror."
"(...) continuamente, desfilavam tantos homens e mulheres no fragor dos trens, sacudindo a casa e se afastando a todo vapor. É claro que a Terra inteira passava por ali, não só franceses, também estrangeiros, pessoas dos lugares mais distantes, já que ninguém mais era capaz de ficar em casa e todos os povos, como agora se dizia, em breve seriam um só. Era isso o progresso: todos irmãos, rodando juntos, para longe, rumo à terra de leite e de mel. Ela tentava contá-los, tirando a média, imaginando tantos por vagão: era uma quantidade enorme, que ultrapassava a sua capacidade. Às vezes achava reconhecer alguns rostos, o de um senhor de barba alourada, provavelmente inglês, que toda semana fazia a viagem a Paris, e o de uma senhora morena, passando regularmente às quartas e sábados. Mas o trovão os levava embora, ela não tinha certeza de tê-los visto, todos os rostos se apagavam e se confundiam, iguais, dissipando-se uns nos outros. A torrente seguia, sem deixar nada de si. E o que a entristecia era que, por baixo daquele fluxo contínuo, sob o desfile de tanto conforto e tanto dinheiro, ninguém naquela multidão tão sôfrega sabia da sua presença ali, em perigo de vida. E isso a tal ponto que, se o marido a eliminasse uma noite, os trens continuariam a passar próximo ao seu cadáver, sem a menor noção do crime ocorrido no interior daquela casa solitária."
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Esse livro virou filme: assista ao trailer:
quarta-feira, 6 de julho de 2016
As Meninas (Lygia Fagundes Telles)
"Abriu
o portão com um gesto desabrido, heroico, gesto de quem assume não o seu caminho, prosaico demais, imagine,
mas o próprio destino."
"(...) como gostaria de mandar minha palavra de equilíbrio, de amor ao mundo mas sem entrar nele, é lógico. Ficar de fora, Mantenha distância, diz aquele ônibus bufando tanto pelo traseiro que não fico atrás nem um minuto. Detesto guiar, entrar nas engrenagens. Nas besouragens, diz a Aninha. Enredos. Bom é ficar olhando a sala iluminada de um apartamento lá adiante, as pessoas tão inofensivas na rotina."
"Gato à toa, por onde você anda. Hein? Dava aulas diárias de preguiça e luxúria mas nunca repetia os movimentos, todo bailarino devia ter um gato. A astúcia. Ao mesmo tempo, o abandono."
"São as ovelhas pretas as mais amadas (...)."
"(...) quero ficar só. Gosto muito das pessoas, mas essa necessidade voraz que às vezes me vem de me libertar de
todos. Enriqueço na solidão (...)."
"(...) os ponteiros eram setas agressivas. Só valem os números que apontamos, avisavam essas setas empoladas espetando o alvo. O som enérgico do coração mecânico batendo dentro do
esquife. Que coisa mágica o tempo."
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